26.2.10

Esquina amarela

é na esquina amarela
que tudo ocorre
lá nada me surpreende
pois é outono
e as folhas caem sem questionar
seus porquês

lá não há vexame
nem vergonha de se passar
tudo é verdade
não há o que se proibir
nem o que se pensar

as paredes criam olhos
surdas-mudas de nascença
praticam ver o olhar
e soltam fortes gargalhadas

na esquina amarela
existem tijelas
nas janelas
e as vacas falam sem parar

.

24.2.10

Eu contra o resto

Inicio uma crise
já que não tenho mais o que fazer
O ócio degenerativo
extremo atoísmo
Ameaço pular do alto
caso não obtenha atenção

Não obtenho, e nem pulo

Meu para-raios
não tem alternativa
e ignora meu jeito de ser
Abre brechas e
o resto é comigo mesmo

Mas nem tudo está perdido
Sou batalhador, bárbaro e amoral
Se desisto é porque não há maneira
Se continuo é porque há certeza
Os caminhos eu percorro
A senzala eu enfrento
A parede eu contorno
e o resto eu invento

.

23.2.10

Inúmeros

Os números são frios
E não mostram a realidade
Eles competem entre si
Convergem entre si
e são números
e são inúmeros

Os números são cretinos
Números pares
Naturais
Irreais
os números primeiro
e os números segundos
depois

Os números mediram
a farta medida
E foram números
e não disseram nada
além dos números

O números são apenas números
e são tantos
Os números crescem
e se multiplicam
Fatores comuns
inúmeros

.

22.2.10

Destroços

olha
dentro dos meus olhos você pode ver
que nada de repente torna melhor
sem saber haverão tentativas milhares
mas nem mesmo o tempo poderá dizer

sinta
no fundo do coração você pode ter certeza
das inverdades e sonegações que tomaram parte
mesmo assim não quero me sujar
nego enquanto existir justiça

fuja
dessa tão bela sociedade idiossincrata
infiel partidária, nostálgicos referendos
ainda quero te ver ruir, monarca
nas panelas velhas e cheias de lava

creia
mas não perca suas mornas esperanças
sentido breve e muito ilustre, seu somente
perde a vazão, a razão e o preconceito vil
e não recobra a eterna solicitude

.

Pêndulo 5

o arrastão
sintoma de desigualdade
voto nulo, branco
e nada mais
nos compete
quem sabe uma pedrada
e a situação
se reverte?

.

21.2.10

Perene

Ando tão alegre
que não sei qual vai ser o rumo
da minha poesia
Minha tristeza já se esvaiu
meu lamento nem tem mais sentido
Preservo minhas lágrimas, agora
para outras demandas

Minha saudade já não fere
Ajuda a viver completamente
Numa expectativa semanal, diária, horária
toneladas de reencontros
Deixam meus tristes versos sem porquê

A lua não me aplaude mais
Nem o canto do luar semeia pranto
Causa mesmo uma felicidade
Uma vontade
de não sair deste lugar


Welcome home, babe

and then she comes
to enter my door again
back from the streets
the alley, the mill
the outside
and now she comes
returns to what was left behind
my heart, my soul
my ultimate cry
and there she comes
fading every shadow
from this past
upgrading my chances
my latest chances
and so she comes
preserving what we had the most
intending not to do it again

and she comes
and she brings
my entire world
with her

.

Pêndulo 4

a manchete
nervosa
na capa do jornal
mataram, morreram
vingaram
quem sabe um provérbio
e a situação
volta ao normal?

.

18.2.10

Para ninguém

o dia passa
mas a dor não
você acorda
e ela se levanta
com a palavra presa
na garganta
foi tudo em vão
foi tudo para ninguém

você acorda
e percebe que precisa
do que ela tem
e você acha que ela ainda
que ela ainda te quer
mas nos olhos delas não há sinal
algum
de qualquer forma de amor
só há uma parede de lágrimas
de anos após anos
em sofrimento

você acorda
e ela não está mais lá
acha que nunca mais a verá
nem mesmo em pensamento
não a viu partir
não a viu se despedir
as malas estavam prontas
há tempos
e você nem viu

você acorda
e percebe que não divide mais
o travesseiro
você desapareceu
na própria neblina
e o lar dividido na sala
parece um castelo
de altas muralhas

você acorda
e deseja que o dia não se acabe
desse jeito
quer que o seu café não tenha migalhas
que seu banho não seja gelado
quer conversar com as paredes
de dentro do pijama

foi tudo para ninguém
foi tudo em vão
o dia passa
mas a dor não....

.

A única certeza

não quero esquecer
nem ser esquecido
tão cedo
quero crescer
e ver crescido
no mundo
não posso desaparecer
nem deixar desaparecido
o que não resisto
mas insisto
e deixo ser
o que é

sinais de existir
deixo existir
não vou esquecer
pois os lugares me lembram
as pessoas se lembram
do que é
e não deixo de pensar
nem de ser pensado
não aqui
nem em qualquer outro lugar

.

17.2.10

Pêndulo 3

A inveja
covarde
maltrata
torna em crise
famílias e mais
Quem sabe um susto
e a situação
se retrata?

.

Terror nas terras distantes

sussurros
sussurros
gritos no escuro
lamentos
lamentos
perversos momentos
segredos
segredos
confesse seus medos
rangidos
rangidos
pesadelos malditos
beleza
beleza
mas não há beleza

.

Variadas formas

Quando canso
digo que nem sei
Quando quero
digo que nem ligo
Quando parto
digo que te quero
Quando esqueço
digo que talvez
Quando minto
digo que é isso aí
Quando perco
digo que convém
Quando paro
digo que tem jeito
Quando vou
digo que não volto
Quando quero
digo que é agora
Quando entrego
digo que fique
Quando fico
digo que só
Quando sussurro
digo segredos
Quando amo
digo para sempre


.

16.2.10

Dancinha

Dance enquanto há tempo
dance e se acabe
no meio do salão se desfaça

porque chega um momento
em que a música para
e quem não tiver cadeira
dança

.

15.2.10

Pêndulo 2

Sigo, portanto, o padrão
Que não me apetece
Tem maracutaia
tem marmelada
tem papelão
tem sim senhor
Quem sabe um tiro
e a situação
se inverte?

.

Pêndulo

O padrão
a consequência
o intervalo
a suspeita inerte
quem sabe um sopro
e a situação
se inverte?

.

14.2.10

ADULTESSE

A criação
mal feita
na criança
malcriação
bem feita

.

Não moro em L.A.

A noite que não se acaba
estrelas que não me dizem nada
o asfalto desnecessário
e o trânsito indevido
das minhas palavras

E quem está no controle agora?

Reconsidere seus dilemas
porque eles são mínimos
diante dessa imensidão
imigrantes, retirantes
gente de toda parte
que vem, que ficam, que partem

E quem tem o poder agora?

Damas nojentas e seus costumes
extravagantes
despejam sentimentos monetaristas
num sociedade latina, oriental
sem identidade
Samurais dos feudos urbanos
matam-se
perseguem-se
mas não se criticam

E quem tem razão agora?

.

12.2.10

A consolação

Tanta reticência
tanta vírgula fora do lugar
um mar de incoerências
olhares que não se encontram
vociferam maldades e impropérios
inúteis

Tanta sombra
tanto desgosto perpendicular
uma sopa de desencanto
as mãos tacam pedras
e arranham as outras belezas
imperdoáveis

Tanto setembro
tanto tempo sem circular
um pavilhão de inutilidades
palavras de ataque, de achaque
e as falácias de sempre
fúteis

Tanto santo
tanta unção irregular
um cemitério de passantes
vomitam combalências frequentes
esgotam os provérbios e as chances
inúteis


.

9.2.10

O pouco papel

penso nela
e tudo me vem urgente
a inspiração
o mote
o motivo
o sentido

sonho com ela
e tudo clareia intimamente
a vida
a cor
o som o sabor
os sentidos

e coloco-a no papel
mas o papel é pouco
e não cabe


8.2.10

Cruz e Açoite

quer, no calor dos seus braços
superar a tristeza
que assola seu coração
solidão vagabunda
substância profunda
um anteparo na contramão
fazendo gracejos
cuspindo os desejos
da sua clememnte
e desatinada paixão

consola deveras
influencia bem mais
navega por absurdos
compridos submundos
e suspira em paz
sabia o que não era
sentia o que não era
diz só sim
para o que te satisfaz

mas termina sofrendo
amargamente querendo
seu amor, fraternal
sua alma penetra
e seu laço intocável
neste idílio astral

.

Gritos

um verso engasgado
custa a sair
preso na garganta
é um grito sem volta
inflama, distoa
mas sai mesmo assim

prendo a insegurança
e solto vogais no ar


.

7.2.10

Blues de Meu Bem e Eu

Meu bem me acordou no meio da noite
No meio da noite, meu bem me acordou
Sim, no meio da noite meu bem me acordou
Sentada na cama
Usando seu pijama
No meio da noite eu e meu bem

Sentiu uma saudade do meu abraço
Sim, meu bem queria um abraço
No meio da noite queria um abraço
Com cara de sono
E um abraço propondo
No meio da noite eu e meu bem

Mas meu bem também queria um beijo
Meu benzinho queria um beijo
Sim, meu bem queria um beijo
Não podia negar
Também queria beijar
No meio da noite eu e meu bem

E o resto da noite não posso contar
Sim, daquela noite não posso contar
Não posso, não posso, não posso
O que se passa na cama
É segredo de quem ama
No meio da noite, eu e meu bem


.

Minha cidade

a minha cidade
permanece calada
pois o dia ainda tarda
nesta morna madrugada

saúda os notívagos
mas não descuida
do seu silêncio
que interrompe
os mais polêmicos discursos

a minha cidade
é um centro misto
caudaloso centro
conurba asfalto e cimento
nas suas paredes de vidro

a minha cidade
permanece calada
face tanta barbaridade
tanto gesto ingrato
tanto sintoma de tristeza
aparente
na minha cidade

e a vida continua
neste batido
na minha cidade

.

6.2.10

Meu sincero eu

Na parede
Um quadro
Que não é arte
É um espelho
Olho pra ele
De frente
E reflito

.

Contradizem por aí

preciso lhe falar
das coisas que eu não sinto
do que não me incomoda
nem me traz felicidade

vou lhe contar
tudo o que não me satisfaz
sobre o que não é rompante
nem é de repente
sobre o que não me preenche o sorriso

mostrarei a você
o que não me interessa
e nem me faz sentido
o que não me convence
nem me mantém acordado

mas direi-lhe somente a mentira
das coisas que não são mais
sobre o que ainda nem sei
e da vida que não vivo

quero dizer sobre o que não vejo
o que não me dá calafrios
sobre o que não interrompe meu dia
daquilo que não me agrada
nem me faz perder o sono

te conto sobre aquilo que não sinto
tentarei falar somente a verdade
e o que não for eu minto

.

5.2.10

Nem choro e nem vela

são dias ausente
semanas, meses
um velho ano que se termina
e uma vida a frente

carece de sintonia
a prosopopéia itinerante
que retorna sem cerimônia
repentinamente neste dia

e que na mesa posta
agora é carnaval
uma festa boa e informal
do jeito que meu povo gosta

mas não se avexe não
nem arrede o pé
falaremos de tudo que vier
na cabeça e no coração

e falaremos com certeza
da nobreza, do baixo clero
da favela, da senzala
da feiura e da beleza

e aos nos despedirmos
num lapso de tempo despendido
esperamos ter atendido as expectativas
dos ouvintes, dos contribuintes
dos larápios e dos seguros
e quem mais se por um acaso
não incluírmos
quem tivermos sem querer esquecido
nessa nossa memória insignificativa
aos leitores mais exigentes
nos veremos num breve futuro


.

Daquele que se ausenta

se eu não sorrir ao te ver
não estranhe nem se assuste
deixe que meu coração lhe diga o porquê
pois nada mais terei a dizer
além das palavras do meu semblante

quero me redimir
te entregar o que é seu
devolver minha gratidão
mas saiba, amor
que o que era meu
não passou do anteontem
e agora jaz no passado

mas escuta, amor
não é culpa sua, nem nossa
uma luta perdida
um desabrochar nervoso
de uma rosa sem cor

mas saiba, amor
que se um dia não fomos felizes
não tardou a noite chegar
e nos tornamos mais sós
a madrugada será sempre bandida
e infiel, cá pra nós

não chore, então, amor
que as lágrimas são o seu desperdício
demagogo
uma chuva inesperada no deserto
sua face enganadora

não se desfaça, amor
não nesta hora
peço-lhe o perdão inútil
e despeço-me sem mais senão
até outrora


.

4.2.10

O fácil é o certo

Por que ninguém me avisou
Que seria tão difícil?
Que a vida teria tantos desafios
Que eu seria levemente testado
Em todos os instantes?
Uma auditoria sem sentido
Um fracasso expectador
Uma graça inalcançável
Um ar gelado e impenetrável
Ao meu redor?

Por que não fui avisado
Que haveria tanta coisa
Tanta interposição
Tanto preconceito
E tanto ciúme besta
Tanta fortuna sem dono
Tanto costume mal aproveitado?
Que ainda assim nunca estaria pronto
Para toda essa vida, para todo esse teste?

Ninguém me falou
De vida após a vida
De sonhos dentro de sonhos
De mentiras e inverdades, de falsos ídolos
E mistérios sentimentais
Não me falaram da imperfeição
Dos sobressaltos
Das maravilhas e das agruras do amor
E suas conseqüências
Ninguém me falou sobre a tristeza
Sobre a solidão
E sobre a poesia

Por que ninguém me avisou que não seria fácil?



.