18.1.10

Domingo

Na bela manhã de domingo

A relva ainda suada

Destila seu presente

Entre os ruminantes

Que permanecem

Em sua pacata existência


Nas fazendas e latifúndios

Não se diz nada além do essencial

“Corte mais cana, Manel”

“Lace o touro, Juvenal”

“Solte as vacas no pasto de baixo, Junim”

Não sem alegria

O vaqueiro interrompe a ordenha

Para apreciar o dia


As pessoas nas portas das casas

Alegremente desejam seu bom dia

Aos transeuntes

Varrem folhas, calçadas

Enquanto o feijão cozinha no fogo

No velho assovio da pressão


A estrada silencia

Com a passagem do ciclista

Que respeita, sobretudo

Aquele equilíbrio intimista


E na cidade

Os pedestres se acotovelam

Na disputa da surpresa do almoço

“O frango é pouco, minha gente

façam fila que ‘tá acabando de assar”

Diz o moço da padaria


Enquanto isso, o apito do trem

Anuncia mais uma vez

A interrupção diária

Do progresso


.

16.1.10

Crime sem castigo

Cometi um crime

Cujo único culpado sou eu

Confesso e me entrego

Quero cumprir a pena devida

Não há testemunhas

Nem vítimas

A vítima sou eu

As provas veladas

Carrego comigo

Não haverá fuga

Acusem-me

Façamos a reconstituição

Julguem-me e condenem-me

Meu crime não está nos códigos


Cometi um crime

Amei demais


.

Estado de graça

o aviso de pare

a placa de contramão

a via interrompida

o sentido contrário

o dia que nasce

a noite que se vai

o alcoólatra são

o errado itinerário

o medo costumeiro

o pedido autoritário

o tiro certeiro

o alvo aleatório

a fama do impostor

o crime compensado

o ocaso ingrato

o fim revelador

o vento no corredor

sem janela sem nada

a brisa terrestre

o clima atraente

a montanha do cipestre

o grito do poeta

a sinceridade do maestro

o conclave da decisão

a intensa batalha

a imensa crisálida

a grata fortuna

a preciosa rotina

o cansativo trabalho

o superior sobressalto

a síndica maldita

a esquina que não fecha

a loja das conveniências

a fruta sem bicho

a criatura sem nicho

sem ninho sem nada

a palavra errada

a hora que passa

o prefeito aceitador

o sacristão pecador

o imposto isento

o cretino deposto

a última esperança da terra

a verdade intensa

o enterro sem choro

sem vela sem nada

o nosso sentimento terreno

e a chama que não se apaga


.

Tenso

olho para o céu
em busca de algum tipo
de esperança vã
conclamo perdões
antecipo atrasos
cancelo compromissos
e disparo balas anônimas
com minha metralhadora
taquilárica

aviso antes de tudo
do meu jeito especial
maltrato a situação
comporto-me mal
insinuo indiscrições
e sombreios
de pura discórdia

mantenho a tensão
tento não me envolver
ando pelas ruas
sem prestar muita atenção
sem pestanejar
e sem causar muito impacto
nas pessoas

.

15.1.10

A metade exata

Na metade exata

Percebo que falta muita coisa

Falta tempo, falta espaço

Sobra o silêncio


Na próxima metade

Quero correr menos risco

Prefiro ser mais fiel

Ao que eu sinto

Morrer e viver de amor


Não chore não, criatura

Que ainda sou seu admirador

Que espera sorridente

Seu regresso pacificador


Falta pouco agora

O pior já passou

Somos infantes

Mas superamos todas as possibilidades


.

Festa interior

Aguardo o convite

Para um festejo particular

Não sou bem vindo

Sou em estranho em minha própria alma

Carrego comigo estranhos tormentos

Que não se calam um segundo


Pratico o discurso

Diante do espelho

Que insiste em refletir a mim mesmo

Nesse baralho de naipes marcados

Sou um ilegítimo filho do rei

Preposto insignificante da luta armada


Passo os dias vendado

Para não me sentir tão ansioso

Silenciosamente me acomodo numa cama

E preparo o espírito para a noite seguinte


Quebro a promessa

Afundo num licor

Sem cerimônia alguma


.

14.1.10

O não-soneto da saudade

-->
E ela vai
Caminhando em meus pensamentos
Percorre meu momento
Louco e compenetrado
De lembrança focada

Lá vai ela
Naquela esquina e todas mais
Naquele rosto e todos mais
Em seu perfume
Sem nome
E pra que nome?

Lá vai ela
Morena, singela
Encantadoramente bela
Passeando nessa outrora
Invadindo o que não é meu
Perturbando meu ócio
Meu instante de criação
E ela vai
Tragada pelo tempo
Na medida do que é
Da estreita e ligeira distância

Vai, menina moça
E apareça sempre que quiser



Horas a fio

A primavera se foi

Agora observo o tempo

Observo a cidade

Contemplo o concreto

E interpreto

Do meu modo


No beiral do arranha-céu

Antecipo a tormenta

A vida escurece

Como as nuvens

E demora a passar




.

13.1.10

Presente de troiano

Para você

Uma sombra e uma água fresca

Um colírio e um cigarro

Um pedaço de bolo

Um laço e uma hipoteca

Na casa do lago


Para você

Um perdido e um mapa astral

Uma façanha e um chafariz

Um sistema e um convite

Pra festa do governador


Para você

O cabide e o empregado

Um correio e um inteiro

A semana retrasada

E o dia de amanhã


Para você

Um pedido de desculpas

Uma curva no escanteio

A lástima derradeira

No minuto final


Para você

Aquele abraço gostoso

O velho enxadrista na praça

A aflição do leitor pelo epílogo

No livro emprestado da biblioteca

Municipal


Para você

A continência do general

O resgate e o funeral

A rosa branca e a saúva

A fruta e o supra-sumo

Na manchete do jornal


.

12.1.10

Amor nos tempos da inflação

A crise

Atingiu o amor

Não sorri

Não pega nessa mão

Não tem abraço

Só críticas construtivas

E perguntas

Dúvidas sem planos B

Nas mais castas plataformas

O amor específico

Não sem mais alternativa

É evidente

Seu decaimento

Sua falta de validade

Perdeu o amor

E invadiu

As terras longínquas

Porque a crise é grossa

Rude

E a crise não tem jeito

A crise atingiu o amor

No caminho pra casa



.

11.1.10

Telefone - O sem solução

Espero por aqui
um ligação que não vai acontecer
assumo que é triste
sofrer nesta hora
que insiste
ah, insiste
em permanecer
e ser a mais dolorosa

Futrico no papel
desenho, rabisco
imagino cavalos e castelos
belas montanhas
esferográficas
enquanto espero

O telefone não toca
gesticulo, sussurro
Verbalizo mil impaciências
Monólogo estranho
Perante o aparelho
de encurtar distâncias

A mesa recebe meu impulso
de violência desmedida
desferida
sem querer
E o telefone que insiste
ah, insiste
em se manter calado
é um bichinho obstinado
sabe de seu poder
que modifica
e mudo fica

Quebra logo esse anseio
meu parceiro
Tira de mim a aflição
toca o seu toque indiscutível
o seu chamado
me leva ao encontro
do que eu mais quero

Mas não acontece
suas linhas ocupadas
distâncias importantes
barreiras transpostas
sem jura nem mora
meu caso é um desnexo
um simplesmente
uma espera

E espero amargamente
ao lado de um telefone que não toca
um mensagem de alguém
a fonética grata
digna da minha saudade


.

100 mais para o momento

Completa-se com este a centena de postagens. Agradeço aos que visitaram, aos que visitam e aos que visitarão. Aos que agrado, aos que repudiam, aos que palpitam, aos que comentam, aos que se calam, aos que inspiro, aos que me inspiram, aos que somem, aos que aparecem. Aos que refletem, àqueles que confirmam, aos que negam, aos que incentivam, aos que desistem, aos que tentam, aos que conseguem. Enfim. Obrigado a todos, sem exceção.

Prossigamos com a vida, que a vida é alegria, e viver é poesia.

Abraços saudosos.


PS - estamos só começando!



Título da foto: Apreciando o momento. by http://juliofotos.com/

10.1.10

Aprendizado

Quando vamos aprender

Desta louca rotina

A verdade maligna

O presente consistente

A identidade putrefata

A mente inconseqüente

E os perigos e mistérios

De sermos apenas humanos

De sermos ainda normais

Intransitivos

A divina perfeição

Encurtada pela vida

Clara e límpida, audível

Sonora no auto-falante


Quando vamos aprender

Do itinerário que não está nos mapas

Do arrependimento e do medo

Da estrutura falida

Da magia corrompida

Do instinto sombrio

Inerte

Se fossemos apenas humanos

Seria mais fácil


Quando vamos aprender

A lidar com o tempo

A evitar a incerteza do futuro

Do sangramento incendiário

Da perda irredutível

O cristal que não se quebra

O silêncio que refresca

A morte que não agrada

Nos tomates atirados

No pano que cerra

Vamos aprender


Vamos sim, um dia, aprender

A sermos humanos

A sermos mais nós

Do que os outros

Assim será fácil

Aprender


E sobreviver



.

8.1.10

Manhã seguinte

faço um poema
pra lembrar de nós dois
de nossa viagem
de nossa saudade
da nossa imensa sensatez
crio um verso
empírico, honesto
deste gesto
e declamo
sem jeito
estes e outros sonetos
sentencio portanto
a palavra
subscrevo-me
perante o adjetivo
e trago uma sinceridade
marcada
na ponta do lápis



7.1.10

Nono

Sigo nesta lida

Sem parar pra pensar

Convoco minhas forças

Meu sentimento e meu íntimo ser

Neste papel que me é cúmplice

Nesta meia-vida


Aflijo-me sem porquê

Não sofro, mas é farta a dor

Minhas chagas de outrora

Insensíveis feridas

Que agora se fecham

Cessam e se calam


Minha alma agora é particular

Se renova a todo momento

Crê no que sinto e se compartilha

Não falo mais sobre problemas

Nem sobre prognósticos falsos

Apenas lembranças ficam

O futuro é belo

E incipiente

Logo chegará carregado da tão aguardada

Novidade




.

O incerto menos errado

Na crueldade deste momento

Insanamente me pergunto

Se este é mesmo o meu lugar

Ou se é hora de voltar


Cheguei ao patamar da indiscrição

Já perdi o padrão

O certo o errado e todo o resto

Mas então

Acertei pelo menos o que devia

Decerto que não era o bastante

Nunca saberei


Choro, mas a lágrima é pouca

Grito, mas a voz é fria

Fujo, e me encontro

Noutras paragens



.

6.1.10

A farra dos bichos

O grilo caiçara

Entoa no ritmo

Da cigarra

A canção da nova manhã

Naquela mesma

Samambaia

Caçoa do orvalho

Ajeita a rebeca

E samba sem parar

Sapateia

Gira, torna

Na festa da finda madrugada

O dia clareia

O sol claribento serpenteia

Dentre as folhas

E presenteia

A todos naquela pequena aldeia

Com outro capítulo

Fidedigno

Da feliz e infinitamente

Contínua

Canção da vida




.

Dias desses

Perdi-me nessas trilhas
Insensatas
Agora invento desculpas
Pra não te ver
Sou fraco e perdi a razão
Que eu nunca tive, afinal
Sou delegado
Sou faraó
Mando e desmando neste sertão
Mas aqui dentro
Neste coraçãozinho
Quem põe ordem não sou eu
Tento me entender
Mas preciso demais
Da sua presença

O peito vazio
Cabresto sem criação
Mares por onde navego
Sem pensar em nada
Surgem imagens
Lembranças vagas
Daqueles dias



.

5.1.10

Desconstrução

A cidade
Não mudou de todo
A cidade é a mesma
Mesmo asfalto
Mesmo concreto
Mesma construção
A feira é a mesma
Do pastel e do caldo
A cidade ficou
Perdida no tempo
É a mesma
De sempre
Mudaram as pessoas
A cidade é um problema
Urbano
Problema crucial
Social
O cidadão não é mais o mesmo
O cidadão mudou
O cidadão não ama mais
Consome
Deglute
E destrói
A cidade ficou
Menos o cidadão
A igreja ainda tem pracinha
E na praça joga-se a dama
Dia e noite, se joga
Mas o táxi não tem ponto
Nem preço
A cidade era moderna
Ficou histórica
Ficou e não mudou
Mas mudaram as pessoas
As pessoas não querem mais
As pessoas se esbarram
Se desencontram
E consomem
E o cidadão
Pacato alborígene ulterior da conurbação ultrapassada
O cidadão se consome
Consome a cidade
E destrói

.

4.1.10

Auditoria

Vejo amigos

Vejo pessoas

Vejo fronteiras sendo ultrapassadas

Vejo que a vida continuou

Que o poeta não calou

Que o dia permaneceu

Mesmo após a noite

Não entendo o que aconteceu

Como tudo mudou

As pessoas continuam sorrindo

A aguardente ainda satisfaz

Os pedaços foram juntados

O desabafo não faz mais sentido

O mar perdeu sua revolta

Olho em volta e só vejo

Felicidade

Quero gritar

Mas não há voz, nem há motivo

De repente sinto

Como se tivesse acabado de chegar

Em casa

Dia de sol na cidade grande

Loucura

Mais medo na urbe

A ditadura

O desprezo

O inscrito no panfleto

A mensagem sorrateira

A intenção a intervenção

O pedaço de papel

Literatura



.

31.12.09

Resolução

Fazer as coisas certas, na hora certa
Tomar menos remédio
Evitar confusão
Ser menos preciso, fazer mais poesia
Viver mais
Beber ao mundo
Comer do bom
Viajar por extra-dimensões
Sonhar o sonhável
Gastar o verbo
Ser menos realista, fazer mais poesia
Sorrir mais
Tirar o cavalinho da chuva
Buscar os tempos perdidos
Atirar pedras no vento
Contemplar a vida
Acelerar os impactos positivos
Impedir os impostos
Ser menos hipócrita, fazer mais poesia
Cantar mais
Ter o tempo como aliado
Usar as mazelas de ponta de lança
Praticar o que é sensato, moral
Dirigir pensamentos e idéias
Sentir mais
Amar o que é amável
Ser mais humano, fazer mais poesia
Sofrer menos



Aos 45 minutos do segundo tempo, desejo a todos os leitores um feliz ano novo, boas festas e tudo isso que se diz durante esse período para as pessoas de bem (E viva a convencionice social moderna!)

28.12.09

Fuga em preto e branco

Me furto a memória
das coisas que eu já vivi
e agora me contento
num prazer de estar
onde nunca quero ir

Persigo esses contrastes
num embate inútil
Esqueço o que tenho
pra dizer
e falo as coisas que me
acometem
Me acomodo, sôfrego
Cansei de procurar
mas encontrei, enfim
meu desassossego

Finjo que não sei
Que essa verdade
Enlatada
É saudade
e mais nada


.

Curta

Nada
é constante
A fachada
é perpétua

E frustrante

De repente
tudo
Se convalesce

E permanece


.

27.12.09

Little cry for her

De longe observo
o casal
Ela, contempla a apresentação
o som que ataca aquelas pessoas
todas
Ele, simples, admira
e sorri
ante o sorriso expectador
de sua companhia,
atenta àquela música roque
que fervorosamente invade os corações
solitários
da platéia fiel

Ela, sussurra as letras
que sabe
inclue-se naquela música
incorpora
Ele, atento, não perde um
movimento
de seus cabelos
e de seus lábios cantantes
e sorri

De repente as mãos se tocam
e os olhares se encontram
Tudo é interrompido,
em câmera lenta panorâmica
Percebo que faltam palavras
Que não cabe nenhuma frase
nenhuma conjugação verbal
Mas o momento
magnificamente
é preenchido por um
beijo
Esplêndido!
Abrem-se os olhos, o mundo real é um sorriso
duplo

E que ela perdoe, dele,
aquela timidez
atroz
Bravamente suprimida por olhares
Toques e sentidos
Palavras mudas




26.12.09

Próxima parada

é hora de partir
é hora de sofrer
é hora de sair sem saber ao certo se está tudo bem
hora de deixar para trás a insurreição
de deixar de lado o que estava errado
é hora de manter a cabeça erguida
e os pés no chão

os dias passarão
a cidade ficará inteira na sua mente
porém a cidade é obsoleta
e logo cairá em desuso
a vida continua
sempre em frente, não desiste

e quando sair
apaguem-se as luzes
fechem-se as portas
não retorne
logo

25.12.09

De meu eu

vou acender as velas
deste seu romance
prestarei as devidas homenagens
citarei os grandes autores
darei a palavra a quem for de direito
o esforço vale a pena
e sei que é merecido

afinal, foram tantos erros
tantos desacertos
tantos caminhos mal trilhados
tanta rotina interrompida
nas mais cruéis madrugadas
e um sem número de outras perdições

mas agora vejo que o momento é certo
que a noite não é mais fria
que a forma é definida
que nas trincheiras separatistas
encontrará um novo mundo
os sonhos que não contou
a intocada solução
da qual não desfrutou

e nesse encontro repentino
de tantos e longos desencontros
faça-se a felicidade instantânea
mútua e infinita

waking life

acorde
este não é o seu pesadelo
é real
portanto, acorde
enquanto é tempo

no seu pasto não saltitam mais ovelhas
nem há carneiros pra contar
sua tv só mostra verdades
seu romance é findo
sua poesia sem estética
e sua bandeira a meio mastro

acorde enquanto navegam-se os mares
as redes
acorde enquanto seu dia
não chegou

na vitrola rodam os mesmos discos
da década passada, foi o que restou
seu remédio não faz mais efeito
sua dor não incomoda
nem seu sentimento
e você se pergunta
onde estou?

perto do fim, meu amigo

22.12.09

Mal-do-século passado

me rasgo em versos confusos
sobre um sentimento ambíguo
sentimento intimista
que não me deixa um segundo
em calmo relento
deixa-me, sim, às margens do desespero
de saber dos meios
e não ter certeza do fim

sentimento canibal
corroe a alma por dentro
sem saber ao menos direito
do que sou capaz, ou não
e, desta feita, ilhamo-nos
e partimos em busca de outros
que não sofram do mesmo mal

21.12.09

Insípida

brilho no olhar
de um lago estreito e tranquilo
maravilha ao luar
e o nascer do sol que vamos ver

a fruta madura
que não quer cair
de longe observo
e nada me faz sentir mais
feliz

serei só eu
se não tiver perguntas a fazer
e sem respostas a mais
trarei o meu coração
ao encontro de sua luz

no que caminharei
nobre criatura
mais bela de todas
em seu seguir
por entre mares de morros
por oceanos de tempo
e amores perdidos

serei mero coadjuvante
em seu mundo
nas mais belas orações
das noites sóbrias
e abruptas

e nas paredes deixarei
marcado
do exagero da sua vida
bela e fugaz
a marca de crises e revoluções
e histórias para contar

Forasteiro

complicado de falar
fácil de fazer
triste de acabar
sorte de quem vê
amargo de sentir
difícil de durar
infinito até não mais
importante até aqui

sábio, sábio
devora-me ou te decifro

19.12.09

Poema da despedida precoce

e se você se for sem saber do meu abraço
o eterno e fraterno laço
do carinho, da ternura
do sentimento que mareja meus olhos e preenche meu sorriso?
sem saber que pouca coisa permacerá
restará talvez um pedido, uma súplica, um incessante "por favor, fique"?
sem saber da importância, refletida na minha verborragia, da sua presença interessante?
sem saber da constante e ininterrupta incidência da sua figura
no meu pensamento, no meu dia a dia?
sem saber que um dia eu fui triste mas que deixei de lado a tristeza
abri mão do se perfazer poético, da complacência de meu fardo inegável
pra ser feliz, ao seu lado?

e se você se for um dia sem saber que a minha alegria
não era estampada na poesia e que meu olhar apenas refletia o que eu sentia?
sem saber que nessa minha alegria eu era poeta e não sabia?
sem saber que o outono acabou, o verão já passou mas o amor continua de pé?
sem saber que a saudade é enorme, potente algoz, inacabável
que me ataca por dentro, invadindo e dominando, de certo modo, o meu completo ser?

se você se for sem saber do meu discurso de paixão definida
da magnífica física do amor, do complexo e completo querer?
sem saber que é verdade?
sem saber que é uma vontade louca
de ter o seu sorriso agora, largo e despretensioso
amável e fervoroso, junto ao meu?

Clima

Involuntariamente
Pego me a pensar em você
Do dia nublado que vejo
Nasce o sorriso discreto em meu rosto
No rádio toca você
Em ondas de FM

O sol resplandece, tímido
Por entre as nuvens
E no céu
O tempo brinca com o tempo

Preciosa

E naquele sorriso vi
o que nunca havia visto
minha alma cálida
latente por um filete de esperança
cheia de cor e sabor
naquele momento
de horas diversas deveras
faço verso e prosa
de um dia não ter mais
que procurar
o que achei agora em nós

perdido em pensamentos
cego em desvantagem
ascende-me a luz
da clariluminescência
a veracidade digna
penetra meu ser
infante e destemido
então preparo-me
para o instante final
de um certo dia
um certo mês
de um ano tal

na mais repleta
e amiúde felicidade
o não apanágio de um
poeta tristonho
que ocorre em
desalento desencanto
estranho
e finge que não é



(para você...)

A verdade

a verdade será dita em poucas palavras
em frases de baixo calibre
a verdade será traduzida
em vários idiomas
porque a verdade é universal

e a verdade cairá como um raio
na mente dos incautos
atingirá a mente, a alma
e todo o resto

a verdade será lenta
preterida e incômoda
trará alegria e descontentamento

a verdade será transmitida ao vivo
e trará boa noite para a população
a verdade será malograda, mal interpretada
a verdade dará bons índices de audiência

a verdade será convincente
será morna e estúpida
a verdade é um barbante incandescente
a verdade trará riqueza e poder

a verdade nos tornará dignos
a verdade será irrefutável
a verdade será daqui a pouco

16.12.09

Situação

E neste instante, e em tantos outros
em que minha alma é plena
e o verbo é pouco
nada direi, senão o sentir
que é antes de tudo
o que é verdade

Mesmo sabendo que não terei respaldo
que não serei premiado
deixo neste papel o meu legado
a minha parcimônia de lado
e jogo
ao vento e aos quatro cantos
o que me é havido
dentro deste coração

O alívio não será imediato
a história é triste, complexa
são palavras, sentidos, sintomas
coisas que somente acontecem
dentro da gente
e que não sabemos explicar

Capital

O lado
de lá
É mais perto
Ou
É longe demais
para sabermos
Ao certo?

A meta
é precisa
desta forma
Ou imprecisamente
forma-se a meta?

Acúmulos
vastos
trazem beleza
Ou beleza vasta
acumula tristeza?

Sem saber
a verdade
perdemos a fidelidade
Ou a fidelidade
perdeu-se
Na verdade?

15.12.09

Inspire Respire

Inspire
Respire
Solte
Tudo agora

Inspiração
Inspiração
Prenda a inspiração
Solte assim que for a hora

Respiração
Respiração
Solte a respiração
Prenda quando for embora

Ação
Respire
Inspire

E exale
E exale....

13.12.09

O que não (está errado)

já não me importam as mazelas
as opinões ingratas
e os palpites mal ditos

serpico-me de más companhias
já que as belas estão rodando por aí
sem serem nunca notadas

infiltrarei nas trincheiras
derrubarei parâmetros
prognósticos
e contradissências

será maculada
perjorativa e indócil
a vida daqui pra frente

não haverá perdoação
teremos pedras e fogueira
pra quem ousar
nos libertar

12.12.09

Assim caminho, humanidade

que culpa eu tenho de ser assim
que culpa tenho de ser eu mesmo
não posso me martirizar
mas eu quero ir até o fim

não posso achar que fiquei louco
que perdi a cabeça
que não lutei o bastante
ou que meu esforço foi pouco

prefiro acreditar que sou assim
um poeta inconsolável
uma tristeza insondável
carrego o mundo dentro de mim

então me abrace forte
e não me solte
sou de câncer, de vênus, londres
sou sombrio e invalidado
sou o que restou
de mim mesmo
e das minhas longas viagens

trago comigo lembranças
de tempos passados
e de tempos futuros
de onde sou? não sei
para onde vou? não sei
respondo quando voltar

10.12.09

Re-verso

de onde vem esse rapaz
que de repente me ama
sem mais nem menos
que se declara de dia
de noite
de tardinha
e aos feriados religiosos

sinto que ele me quer
tenho medo porém
desse querer
dessa vontade de me ver
como sua mulher

que fiz pra merecer
ser o que ele mais deseja
o que mais almeja?

forte é sua inspiração
causo imensos poemas
em sua cabeça
poemas bonitos
sinceros

mas nada sei
porque sou frágil
e me interponho
sobre seus pensamentos

só que ninguém nasce
sabendo
e entretanto compreendo
que muita gente
cresce tentando
vive querendo
e morre amando

Afazer

eu não sei mentir
se estou sorrindo
é que estou feliz
se não vejo problemas
então não sinto tristezas

agora que tenho saudades
perguntas se é de você
e nisso não me engano
nem reclamo

Outono no final

e essa era a saudade
daquela que mata
fere, mutila
maltrata
das que consomem
não perdoam
invadem
sincera e perfeita
é aquela
incerta
saudade

incolume
crua
cura e destroe
interrompe, corroe
afeta
e sobrevive
aceita e corrompe

machuca
sem parecer
sem preceder
e some




dedicada àqueles que (saudosamente) comparecem sempre no meu pensamento

8.12.09

Tudo que tinha de ser

não posso mais esperar
sei que não há mais jeito
que não há mais tempo
sei que estou errado
que andei afobado
mas era tudo encantamento
era tudo o que tinha de ser

mas sei que não era o momento
não tive talento
pra dizer o que tinha de ser
posso ter deixado
de dizer algumas palavras
e já que outras disse dobrado
reflito e desengano-me
mas era só o que me ocorria
e por dentro eu sofria
amargurado
sem saber o que fazer
mas de longe eu via acontecer
tudo o que tinha de ser

trago portanto meu perdão
e o meu semblante cálido
aceita a pública punição
quero infinitamente te ver
quero tocar-te
mesmo sem merecer

e mesmo que não a pertença
deixo marcado no meu território
sua ligeira passagem
mesmo depois de saber de tudo que tinha de ser
o seu caminho ainda é cativante
e a esperança ainda é morna


em homenagem a uma cantora

E SE NÃO HOUVER SAÍDA

E se as rosas murcharem
se a lua não te esperar
se o mar perder a cor
e se o céu ficar vermelho
e se a queda não for dolorida
e se o dia não for mais cinzento
se o anel não servir
se a canção não entoar
e se o poema não rimar
e se a parede ruir
e se o chão se abrir
e se não fizer sentido
e se não for falado
e se não sair
e se não for o combinado
e se não sair

por que mentiria
se não fosse verdade
se não tivesse vontade
se não tomasse partido
se não tivesse seguido
se não fosse falado
e se não sair

para onde iria
se não fosse pra longe
se não tivesse ido
por onde iria
se não houvesse caminho
se não tivesse espinho
se não fosse mentira
e se não fosse verdade
e se não fosse seguir
e se não partir
e se não sair

6.12.09

Traga o verão contigo

quando acordar pela manhã
quero que me traga apenas
a verdade

quero que sorria e me diga
o que se passou
e o que virá
o que ainda não foi
e tudo que ainda será

ao cair da tarde
quero que me chame
pra dançar
quero que sussurre
em meus ouvidos
as coisas boas que me aguardam

e quando a noite chegar
sorrateira
quero que feche os olhos
e lentamente, ao abri-los
comece a revolução
em mim

4.12.09

Sem querer

o amor é azul
mas não tenho certeza
às vezes ele me deixa
vermelho

Desconcerto

queria mesmo ver-te
abraçar-te
gritar insanamente
que amo-te
que quero-te
mas neste momento
e em tantos outros
abandonaste meu pequenino
coração

você faz-me falta
mas perde seu tempo
em longas viagens
de volta
ao que não teve fim
mas ao que à casa retorne
terá sempre meu abraço
aberto e mormente
esperando-te ansioso

e nem que para haver-te
novamente
nos meus braços
precise esperar
a eternidade
ainda assim serei um dia
feliz

posterga-me portanto
o sentimento mór
da minha paz interior
e agora ora confesso-me com
coveiros
ora com plantas do meu jardim
meu desabafo é um sete de copas
sinto-me na perdição do meu juízo
subo montanhas
desço escadas
em busca de respostas inglórias
e afogo-me nas incertezas
mais uma vez

mas no fundo desejo
que a eternidade
não demore a acontecer
ou que você tome logo
de volta
sua metade no terreno
selvagem do meu coração

Para um dia morrer de amor

o que é preciso
para que fiquemos juntos
infinitamente juntos?

como pode ser
assim
se não tenho mais
medo de ser feliz?

não fracasso de antemão
pois ainda me restam forças
e parece que você
ainda não entendeu

esforço-me para não sofrer
mas seu eu tiver que morrer
que seja de amor

porque o amor é simples
não tem porém
e nem talvez
amor é paz
é coisa
é tanto

eu só queria que você
soubesse
que meu coração é aberto
um disco inacabado
nunca lançado
que nunca fez sucesso
com as canções que lhe escrevo
mas que nunca cantei
pois não sei cantar

sei é querer
e eu te quero demais

O que não tem jeito

morro de amores
e de medos
sinto
muito
mas é inútil

às vezes perco o sono
interrompo sonhos
que não queria ter

sou um estranho em minha própria casa
perco-me em lugares que conheço bem
perco-me
e desisto de me encontrar

meu rosto é marcado
pela desilusão
pela tristeza
de ver o mundo cinza
sem graça e sem cor

tenho medos
mas morro de amores

e de dúvidas

1.12.09

A carta

escrevo a mão uma carta
sem muita convicção
pra quem?
não sei

é uma carta sem sentimentos
sem objetivo definido
apenas escrevo
e rapidamente acabo

não espero resposta
pois a resposta está dentro de mim
e eu sei que ela é curta
e sem graça

quisera eu ter uma máquina de escrever
escreveria mil cartas
todas as noites
de todas as formas e cores
mas escrevo a mão
com pressa
e sem pensar
nesta noite impróspera

inspiro-me em imagens soltas
quadráticas
estáticas e inertes
e escrevo a mão
uma carta
pra ninguém

não tenho máquina
sofro sozinho
escrevendo uma carta

29.11.09

Sempre

Se não fosse o amor
estaria perdido no meio da multidão
Sozinho
Calado

Frio

Mas para o amor não pode haver pressa
Não há tempo

E nem espaço

Baterei na peleja
Serei consciente
Eternamente

Então, demore o quanto demorar
Seja o tanto que for
Irei esperar

O amor

21.11.09

Sem cura

Não consigo evitar
que o amor me aconteça
é tanta pedra
tanto grito
tanto suspiro mal resolvido
tanta lágrima distribuída sem cadência
sempre que o amor me acontece

Minha vida segue sem rumo
sem ritmo, sem palavriado
sem prumo
e nessas incoerências
mesmo nos mais desfeitos provérbios
o amor me acontece

Quero não acreditar
que essa doença de novo me acomete
sou novo no ramo, tenho pouca patente
mas já sei, de outros vendavais,
que sou fraco e entregue
quando o amor me acontece

Triste eu vou, continuamente
Sou poeta, que há de se fazer
E nas imperfeições dessa agrura
me perco facilmente
Pois sou fraco
e me entrego
Quando o amor me acontece

Não luto mais
pois é infindável
Degladiamos dia e noite, inverno e outono
perco sono, perco sonhos
e sempre me rendo
pois é o que eu mereço
quando o amor me acontece

30.4.09

Canção dos 3 dias ausente

É tanta mistura, tanta fumaça
neste mundo de asfalto e cimento
que nem vejo que o dia passa
perdido em pensamento
Tanta solidão, tanta amargura
e a madrugada não acaba nunca
o vento é frio, a noite é dura
simpatizo comigo mesmo
Porque é longo, difícil
o estar só
mesclo pedidos de pressa
com sonhos de antemão
abro meus braços e meu peito
dolorido
e espero a chegada
de novidades que deixei
para trás
nesses interstícios de ampla comoção

Preparo minha cama, meu clima
meu sentido de alerta
E espero de cabeça aberta
A derrocada da nossa infância juvenil
O coração amplia necessidades
Fica latente, batente, potente
Ansiosamente aguardo
Visões e olfatos
Tatos e salivas
Que mudarão meu mundo

22.4.09

las palabras

tentei medir algumas palavras
pra te falar o que estou sentindo
mas acho que já deu pra entender
que eu gosto mesmo de você

as palavras me faltam
escapolem, pululam
flutuam e voam
somem no ar
porque você me deixa sem ar
sem sono
sem medo
de amar

as palavras, não sei
as palavras sumiram
as palavras escabruiram-se
porque elas são poucas
e não bastam

cansado de esperar

andei por caminhos diferentes, longínquos
estive distante por muito tempo
pisei em pedras, nuvens
e cacos podres
meu olhar difuso
sem direção, sem sentido
porém penetrante
invadia obstáculos inacessíveis
frequentei os mesmo lugares
as mesmas pessoas
dia e noite, dia após dia
sorvi das mesmas cachaças
dos mesmos perfumes
e agora estou cansado de esperar

viajei por pecados, crimes e infortúnios
escutei músicas que não quis
vi comédias que não tinham graça
nos meus candelabros não há mais chama
mas não reclamo
porque eu cansei de esperar
estou cansado de esperar

cortei minha pele com lâminas muito finas
tratei de doenças que eu não tinha
e me curei mesmo assim
abri alas no meio de multidões
senti saudades de quem nem conheço
mas agora estou cansado de esperar

eu vou

vou fazer pra você uma música
vou cantar pra você um samba
vou perder pra você meu nome
vou fugir com você pra longe
vou ver você de manhã
vou beijar o seu rosto ao sol
vou deitar no seu colo agora
vou abrir meus braços ao te ver
vou sentir seus lábios nos meus
e vou tentar não me perder
vou escrever uma carta pra você
vou fazer outra música pra você
vou pedir para você uma dança
vou sentir em você um lance
vou querer em você um romance
vou deixar com você meu tempo
vou levar pra você meu afago
vou ter com você momentos
e vou roubar você para mim

19.12.08

Vida afora

quando eu for embora
e demorar a voltar
você ainda vai se lembrar de mim?

nos dias que se passarem
em que os preconceitos forem deixados
para trás
em que as noites se esvaziem dos
copos
em que os tragos se tornem
esperanças
e o assunto começar a se esfarelar
você ainda vai se lembrar de você?

e mesmo assim perambulo
pela noite afora
no mundo afora
com a promessa de um dia voltar
e quando esse dia chegar
você ainda vai se lembrar de nós?

Visões

vejo colinas
vejo fronteiras
vejo espaços inéditos
em branco

vejo muralhas
vejo penhascos
vejo casas de pedra
sem telhado

vejo pirâmides
vejo silêncios
vejo o tempo passar
apressado

vejo mudanças
vejo sentenças
vejo coisas a serem feitas
antes do tempo

vejo crianças
vejo parentes
vejo pessoas
cruzando as ruas a esmo

vejo papéis
vejo promessas
vejo latência
vejo carência

mas não vejo respaldo
mas não vejo nada

10.12.08

Carta ao amigo Thiago Lanier

é quando o vento encontra a poeira
que o homem se levanta da sombra
pra ver, no horizonte distante
seu destino: felicidade

e é quando vemos no espelho
a barba crescida, o olho fundo
sabendo-nos homens e não meninos
percebemos que o tempo passou

fica, então, a lembrança
de quase 10 anos

9.12.08

Pra valer

Agora é pra valer

A gente não sabe o que vem pela frente

Vivemos bons momentos

Hoje

E amanhã chegará com lágrimas nos olhos

De felicidade

De se ver em um novo dia

E poder contar com novas dificuldades


O nosso sonho vai tornar-se verdade

O nosso riso vai ecoar no horizonte

E poderemos ter a certeza

De que nada foi em vão

Pra que chorar então?

Agora é pra valer!

why

leave me a letter
before you leave
i miss you so bad
my heart can´t be free
if you don´t
leave me a letter
you took me up so high
and down low
and still i don´t know
why
you left
so soon
so quick
so hard

Reflexos

Sou um leão corporativo
misturo meus dias com doses
homeopáticas
de silício, concreto e freon
sou urbano
e a pressão que me domina
é forte e tentadora
bom, a endorfina também
a vida se tornou um incêndio apaziguado
e no espelho repito pra mim mesmo

não há razão para desespero
não há razão para desespero

nos bares de sempre
nas garrafas de sempre
o tempo se afoga lentamente
perco sentidos e noções
e volto pra casa
falsamente satisfeito
a velha falsa sensação de satisfação
e o velho sentimento de controle
da situação
e digo para o espelho

seu fígado não é de borracha
seu fígado não é de borracha

meus olhos são profundos
quase inexistentes
talvez sejam infinitos
e eu nem perceba
só consigo enxergar a tristeza
dentro deles
sempre marejados
calejados
fustigados pela fumaça urbana
e pela bizarra intolerância humana
e converso baixinho com o espelho

preciso mudar o mundo
preciso mudar o mundo

os dias passam nublados
e tenho sempre a sensação de nunca chegar a lugar algum
percorro asfaltos e calçadas
becos e vielas
atrás de respostas que sei que não vou encontrar
pelo menos não onde procuro
e em casa, após o ralo jantar
enfrento o espelho que nunca me responde

a rua é uma amargura
a rua é uma amargura

são ilusões atrás de ilusões
quebram-se as caras
as coroas e as mazelas
os padrões e os preconceitos
jazem milhares de primaveras
nessa atmosfera inerte e imprecisa
o tempo pára
e resta o espelho, que me olha de soslaio
enquanto vejo minha face refletida
com a barba já grossa, por fazer
e os olhos fundos da noite insone

2.12.08

Apimente-se

mil cores na minha frente
mil cores
de todos os sabores
queimando
meu paladar

capricórnios
unicórnios
vejo flores no luar

qual o sabor do meu som?
qual o gosto do seu som?

mil cores nas paredes
todos os sabores
nas janelas

perdi a direção
onde paramos
onde estamos
de onde
seremos

gira o sol
gira em torno
girassol
na tua vida

e queima
o paladar

Saia

Saia de perto de mim
Quero-te menos agora
Desejo de ti
distâncias
muitas
e saudades
poucas

Saia de dentro de mim
De onde já residiu
e não resistiu
Seu lugar não é mais
cativo
seu prazo expirou
bem como o amor
e o amor não pode ser
postergado

Saio do seu caminho
de beira sem eira
de boba maneira
sem negativas e
sem posteridade
Perco-me agora em
mil destinos
Mas
descobri que já estava
perdido

Encontro-me
na busca verdadeira
do amor

28.11.08

Sem alarmes e sem surpresas

passam por minha cabeça
infinitas possibilidades
meus sonhos se esvaem
e se desfazem em sonhos

meu pensamento voa alto
passam por meu corpo
inúmeros calores
meus medos se perdem
em medos

minhas crenças evaporadas
meus cabelos esbranquiçados
meu espírito mambembe
meu eu de todo dia
minha alma cativante

sofro calado, entretanto

27.11.08

Alô, marciano!

Na esquina da vida alheia
na bala perdida sem direção
no sintoma da tortura chinesa
no refrão desta canção

no sentimento do inconformismo
no limiar de um tufão
na contramão da simplicidade
no infinito da desunião

cá estou
algemado a mim mesmo
nas costas graves de toda eternidade
na vazia e tenaz existência terrena

24.11.08

Girl from Saturn


girl from saturn
you´re not from earth
neither you want it

girl from saturn
you´re easy, easy-living
your drugs
and your cheap jazz

girl from saturn
your fake intimacy
with the booze
your yellow smile
so smartlessly

girl from saturn
changes the day for the night
right for wwrong
like you change your clothes
lost
you are
but you don´t know

girl from saturn
little girl
lost
you are
but you don´t know

girl from saturn
in this planet there are no rings
for you

By humberto aka humbias

17.3.08

Verbete

SAUDADE: 1. falta que faz amar; 2. sentimento cruel de caráter permanente, ataca com freqüência o coração dos incautos, a alma dos poetas e o espírito dos que vivem sem medo de ser feliz; 3. dor sem cura, na maioria das vezes sem remédio também.

7.3.08

Perguntei ao poeta:

- Poeta, o que estás a escrever?

- Coisas.


(Ao meu amigo Thiago Lanier)


17.1.08

Preto Velho (Uma ode contra o racismo)

Aquele preto
Tão preto
Com aquela barba branca
Tão preta

E aquele olhar tão meigo
De quem espera ganhar
um sorriso incolor

Secos e Molhados

19.12.07

Poema de três acordes

Quando nasci, um anjo punk
desses que custam a aparecer
disse: vai, betim! ser desvalido na vida

o dia nasceu nublado
e de repente choveu
o trânsito parou
em transe
com as gotas caindo
e o dia se vai

nas horas de muito pensar
quero pensar em nada
divagar sobre as efemeridades e frivolidades e discrepâncias da vida
e a vida se vai

quanto palavreado ao léu....



levemente inspirado em POEMA DE SETE FACES, do C.D.A.

10.12.07

Perda

quando se deixa
para trás
algo
alguém
algum lugar

perde-se muito
perda inevitável
não se retrai
nem se regenera
só há de ser
conformável

a perda, porém
é imperdoável

Saudade por enquanto

saudade
se torna saudade
quando a lembrança
perde a realidade
ou quando a lembrança
vira saudade

saudade
só é saudade
quando a ausência
vira verdade
ou quando a verdade
não é mais tão verdade

saudade
qual saudade?
saudade
saudade de quem?

saudade
deixa de ser saudade
quando não tem mais
porquê
ou quando a distância
supera a distância
e deixa de ser saudade
vira presença
constante
e deixa de ser saudade

saudade
é saudade
quando se perde o que
se tinha como certo
o que era exato e imutável
saudade sempre deixa saudade

saudade
por enquanto


por Humberto aka humbias

3.10.06

Aquele disco de jazz

me deixaste
levou meu melhor aperto de mão
meu mais sincero olhar de apaixonado
não me deixou nada
levou meu cavaquinho
meu pandeiro e o agogô
as fotos das férias em Santana do Agreste
meu telefone de disco
meu pijama de cetim
minha camisa autografada do Pete Sampras
não me deixou nem um beijo
nem um esquema de despedida
nem um te-vejo-por-aí
levou meu copo de chopp
levou tudo
deixaste algo?
duvido
pode levar o que quiser
você fez parte de minha vida
e agora partiu
sua nova vida
desfazendo o que era meu
levaste a caixa de bagulhos
a coleção de garfos de foundue

leve tudo
mas aquele disco de jazz é meu

27.9.06

RECORTES

nestes instantes
e tantos outros
a língua é falo
e o verbo é vulva
etéro diálogo

eterno diálogo
sem palavras, sem fim
palavras que se encaixam
se resumem, se atraem
se acabam em si só

num ato contínuo
com todos os sentidos
palavras vãs, soltas,
extaticas, turbilhão
de desejos, tensão
tesão, suor, prazeres

enquanto isso
as ondas do mar
revolvem ao redor
do entrelace global de corpos
nas línguas
nada se diz
além do amor

porque o amor
é corpo a corpo
simultaneidade de
atos, sentidos,
plenitude


Escrito em parceira
Roberto Luiz/Humberto aka humbias
26.09.06

24.8.06

sempre ali

é fácil me achar
nas esquinas
nos butecos
nos palcos de improviso
nos autos dessa vida bandida
num copo de puro malte
- 12 anos e pouco gelo, por favor!
na alça de um fogão de lenha
ou na frutífera colheita de manga madura
na espera de uma carona
(pra onde? não sei)
na lida de uma viola
ou num batuque de um samba assim
sem interesse
na vigília de uma aquarela perdida
ou nos versos de uma poesia ainda não escrita
nos braços de uma certa morena
na cadeira do fundo de um certo cinema
numa talagada de aguardente, dose pequena
na calçada, sentando, sem problema
estou eu

Morena

morena
de onde vem
a tua cor
beleza
de onde vem
o teu perfume
seus olhos são duas nebulosas
onde sempre me perco
morena
de onde vem
o teu beijo
ao teu encontro, morena
soltarei infinitos
fogos de artifício

12.8.06

EU QUERO TE VER DE NOVO

eu quero te ver de novo
onde está você
quero te ver
é tarde, é noite
mas não me importa
eu quero é te ver de novo
eu tenho pressa
tenho pressa de te ver
nas minhas andanças
nas calçadas que percorro
nos discursos que interrompo
eu preciso te ver de novo
é cedo, é dia
mas
por que é tudo tão longe
se pode ser tão simples
nos sonhos que tive
nos dias que passo
eu quero te ver de novo


Catavento

cata
catavento
vento
casa cata
cata
catavento
tempo
tempo passa
sempre
sem resposta
cata
catavento
cata tudo
que há por dentro
cata
catavento
casa
moro longe
vento
sem destino
cara
na esquina
cata
cata tempo
cata
catavento

10.8.06

Copo na mesa

a caravana já passou
o carnaval já passou
já passou minha meia-vida
os sapatos já passaram
já se foi o apito do trem
há muito não vejo o por do sol
(ele também já passou)
passou até o funeral
mas o cortejo não vi
passou a moda
e o violeiro
passou o crime
o roubo
e a falta de caráter
o filme passou
a máfia passou
a boemia com seu jeito deselegante, passou também
o caseiro e o megalatifundiário, também passaram
passou o silêncio, ficou um intervalo
o interlúdio
passou tudo
passou tudo, tudo
restou o tempo
morno, cadente, cru e infiel
e o copo na mesa